Até que as noites se fizeram longas e sem luz
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires
Até que me deram abrigo e alimento
Eu tinha aversão a Judeus
Até darem remédios aos meus filhos
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta
Até dar ela a um garoto com hipotermia
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida
Até que tive fome
Eu desconfiava da pele escura
Até que um braço forte me tirou da água
Eu achava que tinha visto muita coisa
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho
Até naquela noite eu o ouvir ganir até se afogar
Eu não lembrava os idosos
Até participar dos resgates
Eu não sabia cozinhar
Até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras
Até ver todas cobertas pelas águas
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome
Até a gente se tornar todos seres anônimos
Eu não ouvia rádio
Até ser ele que manteve a minha energia
Eu criticava a bagunça dos estudantes
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias
Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos
Agora nem tanto
Eu vivia numa comunidade com uma classe política
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora
Eu não lembrava o nome de todos os estados
Agora guardo cada um no coração
Eu não tinha boa memória, talvez por isso eu não lembre de todo mundo
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos
Eu não te conhecia
Agora você é meu irmão
Tínhamos um rio
Agora somos parte dele
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio
Graças a DeusVamos começar de novo.
Anônimo
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Recebi isso num email, assinado por um catarinense. Ele fala que o poema foi escrito na Argentina, quando houve uma enchente lá (não fui verificar no Google).
Meu desejo? Que o país inteiro continue se comovendo e mandando doações pra Santa Catarina. Bom, todo mundo vê jornal, certo? Então todo mundo tem uma noção de como estão as coisas por lá.
A gente vai pra lá no final de semana. Não exatamente como eu queria, de voluntária, mas com a família do noivo. Espero que eu consiga dar uma olhada na situação com meus próprios olhos.
E que Deus continue confortando e abençoando cada uma das pessoas que foram atingidas. Não sei como eu me comportaria numa situação parecida.
Um comentário:
frase triste - e real: foram-se os mortos, cuidemos dos vivos agora.
é levantar a cabeça e reconstruir... e ajudar enquanto podemos...
=***
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